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6. Tempo difícil

Com dez dias de vida da minha bebê eu surto! Coloco tudo no carro, incluindo o marido e vou ao shopping!
Preciso sair, respirar, sentir-me livre outra vez! 
No entanto, arrependi-me no segundo minuto em que piso lá. Sou abordada por uma desconhecida que diz: "Que linda! Quantos dias ela tem? Coitadinha, parece tão novinha!!!"
Pronto! Sinto-me imediatamente a pior mãe do mundo! A mais insensível, a mais irracional...e daí que precisava sair? Mãe não pode ter querência! Não pode! Não pode!
Volto para casa aos prantos...jurando nunca mais sair com ela junto...
Dois meses! Foi o tempo que levei para tirar outra vez minha boneca de casa. E só o fiz porque era Natal...e a família insistiu.
Antes não tivesse ido... Meu mundo não batia mais com de ninguém! Vivia paralelamente... Numa solidão tão brilhante que ofuscava as pessoas ou tornava-me invisível... mas, entendam, isso estava em mim, ninguém era responsável...
Fui dormir às oito da noite. Acordei às seis (sim a Bela dormiu pela primeira vez a noite inteira, eu amo o Papai Noel!). Ninguém estava em pé...voltei para o quarto para amamentar. Coloquei-me em meu lugar de mãe! Exatamente como deve ser! Disfarçava bem! Escondia que era mãe revoltada, daquelas que sentia falta de conversar, rir, ouvir, sem ser interrompida por alguém dizendo: "Não presta falar enquanto amamenta!" POR QUE não presta? Quem disse isso pesquisou, analisou a situação? Porque se passo seis horas fazendo isso, conversarei em qual outro momento?
Ei! Estou aqui também, minha gente, faço tudinho por minha princesa, mas continuo tendo vontades, querendo coisas, existindo...
Como gesto de total rebeldia encasquetei com a ideia de não deixar de sair, por uma hora, a cada quinze dias e fazer minha unha! Merecia isso!
Quanto a todo o resto...deixei de existir e passei a olhar a pessoa que sempre fui como a uma estranha.
De repente peguei-me virando os porta-retratos de casa para não ter que encarar o fato de que tudo seria passado para mim... desviava o olhar de tudo que me fizesse ver que nada voltaria a ser como antes...
Foi uma fase difícil... enterrei-me tantas vezes, mas insistia em reviver... olhava pela janela de madrugada para lembrar-me de que a vida seguia e que teria que colar meus pedacinhos o quanto antes...precisava disso com urgência!
Minha mãe do céu foi me norteando, guiando e, pouco a pouco, fui entendendo que tudo seria diferente para sempre! E precisava me adaptar, era questão de sobrevivência...
Uns falavam em depressão, outros só olhavam, fato é que houve um tempo em que ninguém mais contestava minhas ações, apenas se calavam, desviando os olhos dos meus.
Chamo os três primeiros meses de minha filha de "tempo difícil".
Fora isso...meu amor de mãe só crescia, crescia, grande e sólido! Ele salvou-me! Por minha garotinha segui...
Não gente... não pensei em me matar ou coisa do tipo... nunca! Pelo contrário: pensava só em viver! Era isso que queria... viver! Ter para mim uma horinha por dia... só isso... já seria bom... já seria o suficiente.
Mas isso não é direito de mãe. Mãe não precisa tomar banho direito (uma água no corpo já é o suficiente), mãe não precisa comer (e se come já está tudo frio), mãe não tem sono ( Oi??? Eu tenho, droga!) mãe... Aaaaa! Aaaaa! Aaamor, hoje sou eu quem irei ao mercado!!! 😌


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